Não fui ouvida - no site Temos que falar sobre isso

Mês passado eu resolvi contar o que aconteceu comigo no meu parto em um site que já está ajudando muitas mulheres, o Temos que falar sobre isso. Já falei dele por aqui e vi o quanto é importante, pois eu nunca conseguia falar o que tinha acontecido comigo e quando tentava as pessoas só tentavam me acalmar, mas quando alguém passa por uma violência obstétrica a pessoa precisa ser ouvida, ser compreendida e não apenas acalentada.

Agora coloco meu relato aqui para as minhas leitoras tão queridas e que sempre me acompanham e me ajudaram nessa descoberta do que tinha acontecido comigo.

"Oi, meu nome é Sabrina Donatti Bruno, sou formada em Direito, mas trabalho com Decoração de Festas e tenho um blog chamado Mamãe em Construção, tenho uma filha linda de 3 anos que se chama Maria Luísa.

Engravidei da Maria Luísa em 2011, quando morava em Recife, lá foi quando eu tive a minha primeira obstetra, pois depois me mudei para o Rio de Janeiro e tive que trocar de médica, acho que na minha segunda consulta já falei com a médica de Recife que queria parto normal e se eu já tinha que fazer algo desde o começo para conseguir o que eu queria. Ela só conversou comigo sobre alimentação e que essa conversa era melhor com a médica que iria me auxiliar no parto, mas mesmo assim no nosso último encontro, ela conversou conosco sobre o parto, como seria se ela fosse a médica e tudo mais. Digo conosco, pois meu marido sempre me acompanhou nas consultas.

Ainda em Recife fiz um curso de gestantes e vi as diferenças do parto e só aumentou a minha certeza do que eu queria. Depois visitei uma feira e lá conheci uma moça que tinha uma loja de slings e conversei horas com ela sobre parto e como foi o dela, ela me indicou um grupo de parto humanizado para ir, mas não consegui ir em nenhum dia que tinha as reuniões.

Mudei para o Rio e cheguei lá com 6 meses, minha primeira conversa com a minha médica foi sobre o parto normal que eu queria muito. Ela disse que era super adepta ao parto normal e que me ajudaria em tudo para que ele ocorresse. Ok, que ela disse que em alguns casos ela não optava pelo parto normal, casos esses que hoje eu sei serem besteiras, mas nunca levei em consideração eles e estava certa de que meu parto normal aconteceria.

Fiz ioga durante a gestação e conversei muito com a senhora que dava as aulas, e comentei sobre a intenção de encontrar uma doula. Ela me orientou a conversar com a minha médica. E foi o que eu fiz, e a minha médica disse que não gostava da presença das doulas e ponto e disse que ela faria tudo pelo meu parto e não via necessidade, mas eu estava livre para encontrar alguém, mas ela não aceitaria na sala de parto.

Conversei com o meu marido e optamos por não procurar a doula. Hoje vemos que foi um erro, mas nunca imaginaríamos o que aconteceria.

Cheguei a 38 semanas, muito inchada, mas continuava os meus exercícios, mas a Maria Luísa não encaixava. No meio da semana, numa quarta-feira, fui fazer uma ultrassonografia e a mulher que fez resolveu quase que me enlouquecer. Ela começou perguntando se eu achava que estava perdendo líquido e eu disse que não, perguntou se a minha calcinha ficava molhada e eu disse que não, aí ela disse que achava que meu líquido estava pouco e que tinha que procurar a minha médica.

Eu quase enlouqueci, pois sabia que com pouco líquido a minha filha poderia entrar em sofrimento e também não teria o parto normal que eu sabia ser tão bom a ela. Ligamos para a minha médica e ela disse que a quantidade que ela falou que eu estava era normal para aquele período, mas para me tranquilizar eu poderia encontrá-la no hospital onde ela estava atendendo.

Claro que fui lá e quando cheguei meus pés estavam enormes e a minha pressão pela primeira vez na gestação estava alta. Minha médica ficou apavorada, mais apavorada com a profissional irresponsável que me deixou super nervosa por dizer que com certeza eu estava perdendo líquido. Fiz um exame lá e deu que eu não estava perdendo nada de líquido, mas minha pressão estava alta.

Minha médica resolveu verificar os batimentos da Malu e eu só sairia de lá com a minha pressão estabelecida. Enquanto eu esperava conversamos e nessa conversa resolvemos marcar uma indução no sábado, pois eu já estava com medo e minha médica depois que marcarmos falou que também estava por causa da minha pressão.

Então, tudo marcado! Conheci naquele dia mesmo a médica que auxiliaria a minha médica no parto. Estava super tranquila quanto a isso.

Fui em outra consulta antes do sábado, chorei achando que pudesse não ser o tempo da Maria Luísa ainda, mas minha médica novamente me tranquilizou. Pediu que eu ficasse quieta e fizesse repouso para não ficar tão cansada. Não fiz! Naquele mesmo dia andei um monte no shopping vendo algumas coisinhas que ainda não tinha comprado, no outro dia andei mais ainda, pois como tinha uma data quis fazer unha, depilação, pra depois não ter problema quando a Maria Luísa nascesse.

Naquela noite eu e o meu marido ainda colocamos o adesivo do quartinho da Malu e eu entrei em trabalho de parto. Fiquei super feliz, pois mesmo conversando com a minha médica queria muito entrar em trabalho de parto para ter certeza que era o dia dela nascer.

Como eu via que as contrações estavam bem espaçadas nem avisei para o marido, consegui dormir tranquila e quando acordei as contrações continuavam e agora mais fortes e contei para o meu marido e para minha mãe. Tinha esperança que ela tivesse encaixado pra que tudo fosse mais fácil para as duas.

Chegamos na maternidade na hora marcada e ficamos esperando a minha médica e as minhas contrações aumentando. Até que depois de um bom tempo entram no quarto a médica que auxiliaria o parto e a anestesista e me dizem que o pai da minha médica tinha falecido naquela manhã e que ela não conseguiria chegar. Perguntaram se eu queria encontrar outro médico da minha confiança, mas respondi que não. Pois pensei que se a minha médica tinha confiança nelas e como elas já estariam lá naquele momento, queria que fosse tudo feito com elas.

Aí que eu falo que a doula me fez falta, pois eu poderia não chamar com o parto com a minha médica, mas naquele momento sem ela presente eu a traria para me ajudar, pois seria uma pessoa que me conheceria e que saberia exatamente o que eu precisava.

Mas fui confiando de que elas fariam tudo para o meu parto ser do jeito que eu planejei. Fizeram o toque e vimos que a Maria Luísa ainda não estava encaixada, mas eu realmente estava em trabalho de parto.

Fomos para a sala de parto que era minúscula, tinham 7 pessoas lá dentro contando comigo e com o meu marido. Horrível! E isso que era uma maternidade super conceituada, vários famosos tem seus filhos lá. Me disseram que teria banheira para eu poder ficar tranquila enquanto tinha as contrações, mas não tinha.

Enquanto eu estava com as contrações que o meu corpo produzia a Maria Luísa respondia super bem. Fazia pressão para baixo e o coraçãozinho dela estava ótimo. Quando colocaram a ocitocina sintética tudo mudou, a Maria Luísa não fazia mais pressão pra baixo e o coraçãozinho dela não acompanhava o trabalho de parto como deveria ser. Ficamos apreensivos e a médica disse que esperaria 20 minutos pra ver se melhorava. Meu instinto de mãe me disse para trocar a posição que eu estava e os batimentos dela voltaram ao normal. Mas foi quando escutei a primeira vez da anestesista “vamos vendo até quando a brincadeira do parto normal vai. Qualquer coisa temos que trocar os planos”. Brincadeira do parto normal? Sério?

Senti muita sede, grávida só tem duas vontades a gravidez inteira, tomar água e fazer xixi. Elas não me deixaram nem molhar a boca e fazer xixi só acompanhada por elas. Sem privacidade, acho que para eu não molhar a boca na pia. Isso já era um sinal que a cesárea se aproximava.

Chegou uma hora que eu não aguentava mais aquela falação no meu ouvido e a anestesista viu minha cara e começou a pedir para o pessoal dar um passeio, tomar um café. Até que daqui a pouco me deu um sono, pois não queria mais ninguém na sala, só eu e o meu marido, aí chegamos à segunda fala. A médica que agora era a minha médica disse “nunca vi grávida em trabalho de parto querer dormir!”.

Pois é, mas eu estava com sono e depois várias mamães me disseram que dormiram durante o trabalho de parto e tiveram seu parto normal. E um daqueles programas de grávida que vi uma vez, a grávida dizia que o trabalho de parto dela acelerava quando ela ficava de lado, então foi o que eu fiz. E minutos depois minha bolsa rompeu!!! Fiquei toda feliz, pois sabia que era o meu corpo dizendo que eu ia conseguir, mas aí entraram as médicas que resolveram fazer o exame de toque novamente e disseram que a Maria Luísa estava muito alta e que ia demorar muito, usaram um termo lá que eu até esqueci de tão triste que eu fiquei, dizendo que não estava bom para ter um parto normal. Mas, que se eu quisesse poderia esperar, mas tinha apenas poucas horas até a minha filha entrar em sofrimento.

Claro que elas me disseram que a escolha era minha, mas como elas estavam vendo “eu poderia ficar todas àquelas horas, colocar a minha filha em risco e no final ter que fazer uma cesárea”.

Quem colocaria seu bebê em risco? Ninguém! E eu na mesma hora disse que aceitava fazer a cesárea. Pois comecei a pensar que poderia ser apenas um capricho meu e ali vendo o meu marido fiquei preocupada de acontecer qualquer coisa e ele achar que a culpa tinha sido minha por ter insistido.

Então fui para a sala de cirurgia, foi tudo tão rápido que só lembro de estar triste. Imagina, minha filha ia nascer e eu estava triste.

Fiquei preocupada o tempo todo, meu marido não pode ficar do meu lado, pois como as médicas resolveram correr com tudo, não tinha uma sala maior para fazer a minha cesárea e a anestesista que ficou ao meu lado. Eu via o meu marido, mas ele não estava ao meu lado.

A Maria Luísa nasceu, uma coisa que eu pedi foi respeitada que foi vê-la e dar um beijinho nela logo que nascesse, na verdade eu queria amamentá-la, mas com a cesárea achei que não poderia fazer e nem falei. Depois fui descobrir que pode.

Malu nasceu super bem, eu estava preocupada com o coraçãozinho dela, pois em um exame tinha sido diagnosticado uma pequena abertura, mas na hora se viu que tinha fechado. E vi que ela estava com muito frio, o certo, eu acho, que era ela ter sido aquecida por mim, mas não foi isso que foi feito.

A Maria Luísa e o meu marido saíram e fiquei ali sendo fechada, escutando a conversa das médicas que achavam que tinham me sedado completamente, mas não. E ali, triste. E eu achava que tinha que estar feliz, porque minha filha tinha acabado de nascer e estava saudável, mas não era isso que eu sentia.

E assim foi por um bom tempo…

Eu chorava muito escondida e o amor que todos diziam que sentiam pelos filhos desde o primeiro minuto, eu não sentia. Eu achava minha filha linda, estava super saudável, mamou super bem desde o começo, mas eu estava mal.

Eu me sentia cansada e achava que era esse o problema da minha tristeza, mas não era. Tentava conversar com o meu marido e ele achando que era melhor falar palavras de apoio, dizia que tinha sido a melhor escolha e não me deixava falar tudo o que eu sentia. Homens não lidam muito bem com isso.

Quando fui retirar os pontos, retirei com a minha própria médica e ela disse que tinha conversado com a médica que fez meu parto e ela falou que a Maria Luísa não iria nascer de parto normal, pois estava enrolada no pé e no pescoço e não teria como sair. Aquilo me ajudou um pouco, achei que era isso mesmo. Mas não adiantava.

Só fui ter aquele amor enlouquecedor pela minha filha quando ela já estava com uns 2 meses, onde ela teve uma febre muito alta e só melhorou depois de um banho frio. Quando coloquei a Maria Luísa na banheira e ela começou a gritar, eu comecei a chorar muito e ali senti o amor de mãe, aquele amor maravilhoso, que só cresce e cresce. Meu marido não entendia porque eu chorava tanto e dizia que estávamos fazendo o bem a ela, mas ele não sabia o real motivo daquilo. Pois só depois de muito tempo eu consegui falar que não tinha aquele amor imenso pela minha filha até os 2 mesinhos dela.

Eu tinha vergonha! Pois todos a amavam enlouquecidamente e como eu, a mãe, não sentia a mesma coisa. Eu hoje não me culpo, mas me culpei muito.

Todas as vezes que via algum relato de parto normal, algum programa e via que aquelas mães passavam pelos mesmos “problemas” no trabalho de parto que eu e conseguiram seu parto normal, eu chorava muito. Quando vi a minha médica em um programa de TV fazendo um parto normal, eu chorei mais ainda questionando porque ela não estava comigo.

Eu não entendia o motivo de tanto choro, até que depois de ler muito relatos na internet, descobri que o que tinha acontecido comigo, tinha sido uma violência obstétrica. Eu só fui descobrir isso mais de 1 ano e meio depois do nascimento da minha filha. Eu chorei mais ainda, consegui conversar com o meu marido e ali que ele entendeu, pois ele não conseguia entender a minha obsessão pelos partos normais se eu não estava mais grávida e ainda iria demorar pelo segundo filho. Eu sempre falava do que tinha acontecido e ele já não aguentava mais, até que naquele dia ele conseguiu me compreender e ele mesmo conseguiu entender o que aconteceu comigo.

Pois tanto eu quanto ele estávamos muito envolvidos e com medo para entender o que tinha nos acontecido naquele 12/05/2012. Mais de 1 ano depois eu tive a resposta. Eu fiquei com tanta raiva que eu quase procurei a médica pra dizer tudo que eu tinha sentido e para ela entender que aquilo que ela tinha feito tinha me ferido por muito tempo, tinha me deixado depressiva, atrasou o meu amor pela minha filha, quase me fez desistir de um segundo filho, tinha me deixado por muito tempo como uma péssima mãe que eu poderia ter lutado mais, ter esperado um pouco mais.

Ninguém entende quando falamos o que sofremos, sempre escuto “mas tua filha está linda e saudável”. Me dá uma raiva enorme quando escuto isso, pois eu li muitos livros e estudos que me diziam o que era melhor e eu me sentia capaz e porque outra pessoa tinha que tomar essa decisão por mim? É o meu corpo, a minha filha, o meu parto, a minha vontade, mas não fui ouvida.

Depois de muito tempo me senti obrigada a passar para outras mães e gravidinhas o que eu passei, para que ninguém passe por isso e para que ninguém demore tanto para descobrir o que passou e que a culpa não é sua. Entenda, a culpa não é sua!"