Marina, um pequeno grande milagre (parte II)

E vamos a segunda parte dessa linda história sobre o nascimento da Marina, caso tu não tenhas visto a primeira parte, ela está aqui no link.

A entrevista foi de uma vez só, mas como disse preferi dividi-la para que não ficasse uma leitura muito extensa e assim não precisasse cortar nenhum detalhe importante.

-> Essa primeira pergunta, foi entre as perguntas do tempo de gestação e o nascimento da Marina, mas a Bella preferiu respondê-la depois para poder respirar um pouco para continuar falando tudo que ocorreu a partir do parto da Marina.

Mamãe em Construção: Tu achas que fizeste algo de diferente no dia que pudesse ter provocado o parto prematuro? Ou tu achas que foi a mesma intensidade de um dia normal teu, até mesmo fazendo o enxoval normal da cidade que estavas morando? 
Bella: Quando eu me perguntei "o que eu fiz de diferente para ter provocado isso?" E fazendo uma revisão mental, naquele dia eu não fiz nada que eu não estivesse acostumada a fazer, como eu disse antes, eu tinha uma rotina muito pesada, eu trabalhava andando, dava aula, então pra mim eu não fiz nada que não fosse parte da minha rotina. Então não teve justificativa.
...

Então... depois que levaram ela nessa maca eu não a vi mais, eu fiquei nessa sala de espera questão de uns 10 minutos. E nesses 10 minutos a gente escutou muita correria, pessoal gritando, acionando outras pessoas. 
E quando me tiraram dessa salinha de espera me levaram para a sala onde ela estava que era um centro cirúrgico. E quando eu cheguei nessa sala, eu vi mais ou menos uns 20 profissionais, as pessoas todas assustadas, foi quando eu vi a minha filha pela primeira vez. Ela estava numa maca, e de relance eu verifiquei que eles estavam fazendo massagem cardíaca nela e o monitor estava apitando como se estivesse parado. 
E eu vim para essa sala junto com ela, eu fiquei numa maca do lado, pois a gente precisava assistir para ver o que estava acontecendo, tinha uma cortina que separava a gente e quando eu me desesperei ali naquele momento, porque quando ela nasceu eu fiquei desfalecida, eu não sentia o meu corpo, eu fiquei fora de mim.
Meu marido teve que sair da sala, pois ele precisava acionar a papelada, um monte de coisa, os americanos são extremamente burocráticos com essas coisas e eu fiquei lá naquela sala desfalecida. 
Eu não me comunicava com a equipe, pois eu falava pouco de inglês, pouco mesmo, meu marido é que se comunicava. E aí veio uma enfermeira falar comigo e ela falava espanhol e ela falando comigo e eu fazia "como é que está a minha filha?". E ela disse que eu tinha que ficar calma para não atrapalhar a equipe. E eu ficava "como está a minha filha? Eu quero ver minha filha! Eu quero ver minha filha!" e ela puxou um pouco a cortina de uma forma que eu conseguia visualizar o que estava acontecendo. Nesse tempo que eu fiquei observando, foi o tempo que estavam esperando a equipe de resgate, eu vi a máquina parar umas 5 vezes mais ou menos e eu gritava pelo nome dela na hora que parava "Marina, a mamãe tá aqui! Mamãe, tá aqui!" Até que teve um momento que eles começaram a rir e comemorar, eles tinham estabilizado ela e tinha chegado a equipe de resgate com a encubadora e todos os equipamentos necessários e eles colocaram ela dentro da encubadora e foi então que o médico foi dar atenção a mim. 
Foi a hora que ele foi retirar a minha placenta e ver como é que eu estava. Eu não sentia dor nenhuma, foi tudo feito sem anestesia, eu estava em transe, eu não sei explicar. E o meu marido tinha saído para resolver a burocracia, para assinar os papéis para a transferência de Marina para o hospital especializado e eu estava ali meio que assustada.
E quando puseram ela na encubadora, essa enfermeira veio me perguntar como era o nome dela e eu disse que ela ia se chamar Marina. E ela falou pra mim que não, que o nome dela tinha que se chamar Milagros e apontando para a plaquinha da farda dela que o nome dela era Milagros e eu fiquei toda emocionada e comecei a agradecer a equipe.
Aí uma médica, que era uma das médicas responsáveis desse hospital especializado que veio buscá-la, chegou pra mim e disse que tinha sido bom que eles tinham conseguido estabilizar Marina, mas que não era momento para comemorar e que a batalha daqui para frente seria muito grande, que ela poderia não andar, que ela poderia não falar, que ela poderia ter muitas sequelas pelo tempo que ficou sem oxigenação e que não era o momento para comemorar. Por aí você tira, ali que meu mundo caiu de verdade. 
E eles levaram ela para o hospital especializado e eu fiquei nesse hospital, pois a gente não podia ir na mesma ambulância.

Até o tempo de chegar a outra ambulância, assinar a papelada para me transferir para o hospital, eu fiquei mais ou menos 1 hora e meia ainda. E a gente não tinha notícia de como tinha sido o transporte, o que tinha acontecido, a gente não sabia de nada. Eu e meu marido estávamos perdidos, literalmente, a gente não conseguia se olhar, a gente estava muito abalado. 
Quando chegou nesse outro hospital, eu tive que passar por uma triagem inicial, pois eles não tinham o meu histórico, não sabiam de nada e eu pedia por favor, implorava por notícia, eu queria saber se a minha filha estava bem, como é que ela estava. Mandei meu marido ir atrás, não ficasse comigo, que eu ficasse sozinha, pois não precisava ficar comigo. E ele foi atrás dela e desceu, depois de algum tempo, com a médica responsável, a médica que tinha recebido ela. E veio a doutora, o primeiro anjo da nossa vida, a doutora Annemarie, ela explicou toda a situação, como eles tinham recebido Marina, que era um caso, ela não falou grave, mas que era difícil, que a gente ia passar por momentos muito difíceis, mas que ela estava ali junto para nos ajudar. 
Foi quando me deu a notícia que eu não poderia ver Marina, pois eles tinham que fazer todos os exames, já que eles não tinham o meu histórico, até para saber se eu ia poder amamentar, para averiguar o que tinha provocado o parto normal. E eu fiquei desesperada, pois eles chamam esse período de quarentena lá, que são as 40 horas, e eu comecei a chorar, desesperada. E ela então me falou que ia fazer o seguinte, e nisso eu falando para ela que todos os meus exames tinham dado negativo, que eu não tinha HIV, que eu tinha feito o pré-natal tudo correto, que eu tinha feito uma morfológica e que estava tudo bem, e ela falou que ia pedir uma bateria de exames simplificada primeiro e para eu conseguir ver Marina e depois que ia pedir uma mais completa. E 8 horas da noite houve a liberação para eu ir vê-la.  
...
Marina nasceu com 800 gramas e 33 centímetros, só que na barriga o bebê ingere muito líquido amniótico, né?! Então ela perde assim que nasce e com a perda de líquido ela chegou a pesar 670g. Então o marco de contagem de peso dela começa a partir desse peso, 670, porque é a partir daí que ela começou a ganhar. 
A UTI é dividida em 3 alas, a ala intensiva, a semi-intensiva e a pré, que é quando o bebê já está em preparação para receber alta. 
Marina ficou na ala intensiva 28 dias. Um dos grandes problemas é que como o parto foi de imediato, eu não tive tempo, ela não recebeu medicação para desenvolver o pulmão, para amadurecer o pulmão, e por não ter essa medicação o pulmão dela não nasceu desenvolvido. Então ela foi entubada, ficou recebendo ventilação mecânica durante mais ou menos 10 dias. 
Os médicos tentam extubar o mais rápido possível porque o risco de infecção é muito alto quando o bebê fica entubado. Então eles extubaram ela, fizeram uma tentativa de extubar, e ela ficou apenas 2 dias, não chegou nem a 2 dias extubada e não conseguiu ficar e eles a entubaram novamente. Isso pra gente foi um momento muito crítico, porque, além dessa questão dela ter sido extubada e entubada novamente, eles falam muito de que o caso regrediu. Então todos aqueles 10 dias eles reiniciam para preparar para extubar.
E quando tudo aconteceu eu fui pesquisar muito até para saber até o que estava acontecendo e eu vi vários relatos de infecção pulmonar, na verdade o maior risco era de infecção e que alguns bebês não resistiam. Então foi um período muito tenso e durante esse período a gente ficou na expectativa da válvula do coração fechar, se não precisaria de uma cirurgia e foram feitos 3 ciclos de medicação na tentativa de fechar a válvula e, a gente brinca que foi na prorrogação do segundo tempo, a válvula fechou e não foi preciso fazer uma incisão cirúrgica.
Ela foi extubada com 26 dias que estava na UTI intensiva e permaneceu as 48 horas bem e com ela permanecendo bem, ela foi transferida para a semi-intensiva. A semi-intensiva não são os casos mais graves, mas é uma ala da UTI bem tensa, pois é o momento de espera. Basicamente lá consiste em tirar a ventilação mecânica da criança, que é ela respirar sozinha sem a ajuda de aparelho e ganhar peso.
Durante esse tempo, que foi o maior tempo de Marina, a gente ficou naquela coisa de ganhando peso e a ganha de peso, para quem vivencia uma UTI sabe, que é mínima, são graminha que ganha por dia e que lógico que a gente comemora ( MC-> nesse momento eu senti o sorriso da Bella contando e imagino como deve ser muito comemorado). E foram trocados 3 aparelhos, cada um auxiliava de forma diferente na respiração dela, ela não respirava sozinha, ela recebia uma ajuda, só não era mais entubada, ela recebia essa ajuda já pelo nariz. 
E nesse período vivenciamos fases difíceis e bons momentos, pois Marina não teve nenhuma infecção, mas ela teve o que eles chamam de anemia prematura. A médica nos explicou que no momento do parto a mãe passa as hemácias que auxiliam na respiração e ela não produzia essas hemácias sozinha, ela precisou fazer 3 transfusões sanguíneas, foi bem difícil, pois ela precisava ter uma quantidade X de hemácias no sangue para ajudar na oxigenação e ela não produzia. E ela tinha um peso muito inferior para poder tomar uma medicação, uma vacina, que ajuda na produção dessas hemácias e ela não tinha esse peso e até atingir esse peso ela teve que receber essas 3 transfusões sanguíneas. E foram bem difíceis pra gente, pois a gente sabe o risco que corre, mas ela foi evoluindo, ganhando peso, uma espera longa e finalmente eles retiraram os aparelhos. Óbvio que uma progressão e finalmente começou a respirar sem o auxílio dos aparelhos e a gente foi para uma terceira fase que é a fase de espera de verificar como é que está o bebê para poder ter alta.


Depois que o bebê fica em observação alguns dias, ele tem que ficar um intervalo de 5 dias sem ter nenhum problema respiratório. E quando a gente estava para receber alta, lá nos Estados Unidos para você levar um bebê da UTI, você precisa fazer um curso de reanimação cardíaca e essas coisas todas, pois você vai levar uma criança para casa e você tem que saber lidar com ela, uma criança prematura. E a gente tinha acabado de voltar do curso quando eu cheguei no bercinho, ela já estava no bercinho, eu vi ela roxa e ali eu apliquei pela primeira vez o curso. 
Marina teve, o que eles chamam de, refluxo prematuro, que é quando o bebê se engasga com a própria saliva e ele se sufoca, ela para de respirar, ela fica sufocada e o coração desacelera. E aí Marina apresentou isso pela primeira vez, a partir daí ela começou a ter, praticamente, isso todos os dias e foi aí que começou a parte mais difícil, porque a gente não sabia o que para gente parecia ser o fim e ela ia receber alta, começou uma nova guerra para ela parar de ter esses episódios e nessa brincadeira foram mais 3 semanas no hospital, até ela completar os 5 dias sem apresentar nenhum episódio.
E foi muito difícil, pois a gente já estava naquela expectativa de ir pra casa, nós já estávamos cansados de estar longe, de estar em um país diferente, a gente queria o aconchego da família. E o que parecia que era algo chegando ao fim, parecia ser algo cada vez mais incerto. E os médicos já não estavam mais confiantes dela viajar de avião, então, eu digo, que foi o momento mais desgastante de tudo.

Mamãe em Construção: Conversando com muitas mães, que querem fazer o enxoval fora do país, elas também comentam de acontecer do bebê nascer lá e o que fazer com plano de saúde. E gostaria de saber como isso tudo se procedeu em questão de valores com custos dos hospitais, se foi a partir do seguro viagem, se foi necessário acionar o plano de saúde do Brasil? Para que todas as mães já saiam daqui mais ou menos seguras nessa questão.
Bella: A gente fez um plano de saúde que me cobria grávida, mas não existe nenhum plano de saúde que cobre o bebê, já que ele ainda está na barriga. Então o meu plano de saúde cobriu todas as minhas despesas, mas Marina não estava coberta. E foi uma das brigas da gente, graças a Deus, como eu disse antes, minha gestação foi tudo bem, eu tinha atestado médico, o histórico do pré-natal feito e todos os exames que foram feitos no próprio hospital. Foi feita uma biópsia da minha placenta, eles não encontraram nenhuma causa que justificasse o parto prematuro, eles falam em causa congênita como se ela estivesse pronta para nascer naquele momento. 
O fato dela ter nascido de parto normal fez com que Marina fosse assim coberta pelo Medicaid que é o sistema de saúde gratuito que tem lá. A saúde nos Estados Unidos é particular, não existe um SUS, e o medicaid é como se fosse um plano que o governo tem para socorrer as necessidades. Diante de todo esse processo a gente comprovou que ambos trabalhávamos de carteira assinada no Brasil, que a gente foi lá a passeio, que a gente não tinha nenhum histórico de que Marina podia a vir nascer nessa viagem. E diante de todas as provas que a gente apresentou, o Medicaid cobriu Marina, para nossa sorte, pois a conta do hospital seria impagável.
Recentemente até veiculou na internet uma mulher que devia milhões, pois o bebê tinha nascido nos Estados Unidos, então por aí você tira.
As pessoas até ficaram curiosas, foi quando as pessoas despertaram para o que tinha acontecido com a gente, mas o medicaid, felizmente, cobriu tudo, absolutamente tudo. A Marina ficou no 2º melhor hospital do país, na melhor UTI neonatal, o tratamento dela era uma assistência de primeira, isso a gente não pode reclamar. Inclusive, eu sempre relato que foi a nossa sorte, por que naquela época o Acre estava vivendo uma enchente e ele não teria estrutura. (-> na época o marido da Bella estava servindo em Rio Branco, no Acre
Até conversei depois com alguns profissionais, com o meu próprio médico, que o Acre até tem a infraestrutura para receber um bebê prematuro, ele não tem é a mão de obra capacitada pra lidar. E eu conversei com uma mãe que teve um bebê na UTI de lá e ela me disse que o bebê dela nasceu de 28 semanas e disse que nunca viu um bebê mais novo sobreviver lá. Então pra gente estar nos Estados Unidos nesse momento foi o melhor, eu falo muito que foi providência.
Quando eu estava para ir fazer o enxoval eu tive uma intuição e minha mãe ficou "não vai, não vai, não vai" e eu fiz uma oração e naquele momento eu sabia que eu tinha que ir. Eu brinco que foi Deus me encaminhando para o lugar certo, foi para dar as condições de Marina lutar. Estar nos Estados Unidos nesse momento foi tudo, em nenhum momento eu me culpei por ter ido fazer o enxoval, por ter passado por tudo aquilo. Nos primeiros momentos que tudo isso aconteceu, é óbvio que você se pergunta. Mas eu recebi o apoio certo, das pessoas certas que me disseram de que eu tinha que confiar , que Deus ia providenciar um milagre e que a gente estava no lugar certo. Então eu coloquei isso na minha cabeça de que a gente estava no lugar certo e apontei para a fé e remei.
Eu sei que depois de mim todas as minhas amigas próximas ficaram com medo de fazer o enxoval, mas as coisas acontecem quando tem que acontecer. Essa é uma parte da história que eu não questiono.   

- > Bom, vocês sabem que essa história ainda não acabou, na verdade ainda tem muito mais coisas para serem contadas e por isso precisei dar uma pausa para vocês se recuperarem e depois volto com mais. Até porque a Bella ainda nem contou como foi e quando foi que ela conseguiu pegar a Marina no colo, os conselhos dos médicos e todo o processo de volta para o Brasil, além de como foram e são os cuidados com a Marina.

Já falei demais e espero que em 2 dias eu consiga voltar com mais dessa história de vitória, pois eu estou amando contar tudo isso, pois acompanhei de longe e rezei muito. Pois parece que só quem é mãe consegue imaginar um pouquinho do que passa outra mãe.  

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